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terça-feira, 23 de junho de 2020

O CÂNON E OS PRIMEIROS CONCÍLIOS

OS CONCÍLIOS E O CÂNON


Os primeiros Concílios da Igreja Cristã foram de grande importância para a definição daquilo que temos hoje como o cânon bíblico. Vamos descrever como se deram, historicamente, as negociações para tal definição.



Os primeiros cânones

Como aquilo que a Igreja lia, com a consciência de que repousava sobre a autoridade apostólica, veio a se tornar uma estrutura tão poderosa para a posteridade cristã? Nas palavras de Dreher (2013, p. 7):

"Durante os cem primeiros anos de vida da comunidade cristã, sua Bíblia foi o Antigo Testamento. Ela usava uma versão grega, denominada de Septuaginta e abreviada com a sigla LXX. Dessa versão grega faziam parte ainda alguns livros que não foram incluídos no cânon hebraico, adotado pelo Sínodo de Jâmnia, por volta de 110 d. D¹.[…] 
Nos cem primeiros anos do Cristianismo, já existiam cartas paulinas e outros escritos que, mais tarde, formaram o Novo Testamento, mas outros livros ainda estavam por ser escritos. Sabemos que as Cartas de Paulo, por exemplo, eram lidas nos cultos das comunidades. Mas as Cartas de Paulo, os evangelhos e outros escritos não faziam parte da Bíblia". 


O autor supracitado considera que alguns textos do Novo Testamento foram escritos após o fim do primeiro século, o que não é a consideração desse artigo. Contudo, as palavras do mesmo autor são importantes para perceber que existe uma evolução, tanto no que diz respeito ao cânon hebraico, a base para o Antigo Testamento protestante, como à definição do Novo Testamento. Cains (1995, p. 95) corrobora com este pensamento:


[...]os vários Concílios que se pronunciaram sobre o problema do Cânon do Novo Testamento apenas os tornavam públicos, porque, como ainda se verá, tinham já sido aceitos amplamente pela consciência da Igreja. O desenvolvimento do Cânon foi um processo demorado, basicamente encerrado em 175, exceto para o caso de uns poucos livros cuja autoria era ainda discutida. 

Os primeiros cânones, sem dúvida, foram os hebraicos, como o Samaritano e o Beta, oriundo dos judeus etíopes. Porém, os primeiros cânones cristãos podem ser considerados como sendo o de Marcião; posteriormente Irineu de Lyon propõe uma outra lista fechada. Orígenes também proporá uma lista, excluindo alguns livros, como Tiago, e acrescentando Pastor de Hermas. Várias listas foram surgindo e tendo alguma aceitação, ora nas igrejas ocidentais e ora exclusivamente nas igrejas orientais.

__________________________________________________________1. Esses livros são aqueles recusados pelos Pais da Igreja.


A definição do Cânon

Concílio de Jamnia – Wikipédia, a enciclopédia livre


Depois de localizar o desenvolvimento do Cânon e a afirmação de algumas listas que foram levando o magistério da Igreja Cristã a uma definição nos Concílios, nesta parte deste artigo vamos apenas apontar o Cânon que definiu a presente lista dos livros bíblicos.

O Cânon do Novo Testamento tem seus livros atuais aceitos desde o final do primeiro século, com pequenas dúvidas sobre livros como Hebreus, Thiago e outros poucos, e o acréscimo de livros como Pastor de Hermas. Porém, conforme o fragmento Muraturiano, essa lista era usual, e os livros que faltam nela, atualmente entende-se como parte da lista original. Perdas e erros de cópias se encontram ausentes no documento encontrado e publicado em 1940 por Ludovico Antonio Muratori, provavelmente datado de 170 (Geisler; Nix, 2016, pág. 108).


Porém, a lista de Orígenes, e depois a lista de Atanásio, publicada em uma carta chamada “A Carta de Páscoa de Atanásio”, que é baseada no estudo de Orígenes, são consideradas as listas que mais tarde foram amplamente divulgadas e apoiadas pela Tradição da Igreja, fechando a lista canônica do Novo Testamento, conforme nos esclarecem Miller e Huber (2006, pág. 94). 

Os Concílios de Hipona e de Cartago, conduzidos por Agostinho, confirmaram o Cânon do Novo Testamento, com 27 livros, como o temos hoje, mas aceitaram a lista da Septuaginta para o Antigo Testamento, conforme vista antes, ratificada no Concilio de Trento, em 1566. Durante a Reforma Protestante do século XVI, a maioria dos grupos protestantes aceitou a lista de Atanásio para o Novo Testamento, mas permaneceram com uma antiga tradição da Igreja, que aceitava o Cânon hebraico como o Antigo Testamento.



AS TRADUÇÕES



Costumes Bíblicos: O "Cânon" das Escrituras



As histórias das traduções da Bíblia são ricas em seu legado de coragem e abnegação, para que esse livro chegasse nas variadas culturas, etnias e povos. A Septuaginta, do hebraico para o grego; a Vulgata, do hebraico e do grego para o latim; a tradução de Lutero, do grego, hebraico e latim para o alemão; a King James, do hebraico e do grego para o inglês; do latim, hebraico e do grego para o português, representam o esforço de fazer a Bíblia chegar até nós. 


 A Septuaginta




O termo Septuaginta foi cunhado com base em uma narrativa que não recebe crédito de muitos historiadores. Essa narrativa surge de uma carta conhecida como “Carta de Aristéias”, da qual vem uma construção histórica do surgimento da Septuaginta por pedido do Rei Ptolomeu II. Foi um trabalho realizado por 72 tradutores, mais tarde atribuído a 70. 

O livro, "Bíblia e sua História", da Sociedade Bíblica do Brasil (Miller; Huber, 2006), descreve muito bem a construção dessa narrativa. Um bom resumo a cerca desta tradução é apresentado por Fernandes (2015). Para ele, a Septuaginta surge como demanda dos primeiros cristãos de compreenderem as Escrituras em uma língua mais acessível para aqueles dias:


"partir do século III a.C., os judeus da diáspora que passaram a viver em Alexandria, no Egito, preocupados com a transmissão da fé e dos costumes judaicos aos filhos que nasciam em terras dominadas pelo helenismo e incentivados pelo rei Ptolomeu II, começaram um trabalho de tradução, da Torá para o grego, de um texto hebraico consonantal denominado pelos estudiosos de Protomassorético. 

Uma antiga lenda conta que setenta anciãos judeus de Alexandria foram escolhidos e designados para realizar essa tradução. Disso resultará a denominação Septuaginta para a versão grega da Bíblia Hebraica. Após a tradução da Torá, o trabalho continuou e no final do século I a.C. todos os livros estavam traduzidos. 


Essa tradução fora de grande importância, pois serviu para os cristãos daquele início da cristandade compreenderem teologicamente as declarações proféticas e o desenrolar da revelação. Também serviu como base para as próximas traduções; ainda que não fosse a única fonte, servia de orientação mestra.


Outras traduções





Foram selecionadas apenas duas traduções para serem descritas: a Vulgata Latina e a King James. A tradução de Jerônimo ou Vulgata Latina impulsionou outras traduções e serviu como a principal tradução e versão para a Igreja cristã, sendo ainda hoje muito valorizada pelos cristãos católicos. Contextualizando a necessidade de uma Bíblia na língua latina, no início dos anos 400, Miller e Huber (2006, p. 108) apontam que depois de a Septuaginta ter sido o principal texto das Escrituras dos primeiros cristãos, 



"Na época de Jerônimo, no quarto século, entretanto, o latim estava sendo falado por todo o vasto Império Romano, e uma boa Bíblia em latim era urgentemente necessário. Apesar de existirem algumas traduções da Bíblia em latim, elas não eram boas e ficou a cargo do explosivo Jerônimo produzir uma boa Bíblia em latim, conhecida como Vulgata, por estar na língua vulgar (comum) do povo. A tradução de Jerônimo provou o seu sucesso ao permanecer como a Bíblia oficial da Igreja Católica por mais de 1500 anos.

Essa tradução ainda é consultada atualmente, o que demonstra quão magnifico foi o trabalho de Jerônimo.


A tradução da Bíblia para o inglês que causou maior impacto, com maior durabilidade até o presente, foi a tradução de William Tyndalle. Sua tradução foi perseguida, queimada e inclusive o levou a fogueira, porém o seu impacto foi enorme em toda a Inglaterra. Depois que a Igreja da Inglaterra de separou da Igreja romana, o Rei Tiago I convoca uma junta de tradutores para realizarem a tradução King James; em torno de 80% de seu conteúdo preservou o texto de William Tyndalle.



A BÍBLIA PARA O PORTUGUÊS





As traduções da Bíblia para a língua portuguesa apresentam uma história curiosa, pois as primeiras páginas a serem traduzidas para essa língua latina não fora da pena de um especialista, mas de um Rei, e ainda precede traduções importantes, como a tradução para o inglês de João Wycliffe





A língua portuguesa fez parte do intercâmbio cultural já desde a Idade Média, pois, tendo sua raiz no latim, foi se desenvolvendo até se tornar a principal identidade cultural de parte dos povos ibéricos – os portugueses. Segundo Geisler e Nix (2016, p. 248), Dom Diniz foi um bem-aventurado, “por ter sido a primeira pessoa a traduzir para a língua portuguesa o texto bíblico, tornando assim possível a futura grande navegação dos leitores de língua portuguesa pelo imenso mar da Palavra de Deus”. 

Segundo as informações desses autores, apesar de Dom Diniz ter traduzido apenas os 20 primeiros capítulos do livro de Gênesis, isso teria impulsionado os leitores da língua portuguesa por este texto. Dom João I, sucessor de Dom Diniz, deu um passo a mais: além de produzir traduções do próprio punho, elegeu um grupo de sacerdotes católicos que trabalharam, a partir da Vulgata Latina, em alguns livros e partes de outros autores na sua tradução.


João Ferreira de Almeida


Ficheiro:Bíblia Sagrada João Ferreira de Almeida 1899.jpg ...
Divulgação: Wikipédia


João Ferreira de Almeida foi um protestante convertido do catolicismo. Ainda muito jovem, vivendo na Ásia, conheceu a mensagem evangélica, viveu como um pregador dessa mensagem e, aos 17 anos, segundo Geisler e Nix (2016), iniciou uma tradução do Novo Testamento, que foi perdida; somente em 1676 concluiu a tradução do Novo Testamento. 

Vejamos um excelente resumo de como se deu e o que significou a tradução de João Ferreira de Almeida: 


"Em português, houve, desde antes do concílio de Trento, várias iniciativas de tradução da Bíblia, mas nunca chegaram a uma edição completa em Portugal. João Ferreira de Almeida foi o primeiro a traduzir a Bíblia para a língua portuguesa e o fez a partir das línguas originais, começando pelo Novo Testamento e usando o textus receptus. 
Almeida não conseguiu traduzir todo o Antigo Testamento. Em 1691, ano de sua morte, tinha conseguido chegar até Ezequiel 48.12. A tradução foi completada por Jacobus Van Den Akker em 1694. Em tom comparativo, pode-se dizer: o que a tradução de Lutero foi para o alemão, a tradução de João Ferreira representou para o português". (Fernandes, 2015) 


Sem dúvida, essa tradução é um grande legado e um tesouro para os povos de língua portuguesa. 



CONCLUSÃO

Na leitura do fiel, em grande parte, a Bíblia é vista como um livro que teve a sua forma final definida ou em decorrência de um acontecimento místico ou como resultado de arranjos políticos. Se alguém questionar como foi o caminho de fechamento e transmissão do Cânon até os nossos dias, o leitor poderá indicar com segurança essas considerações, como uma introdução a responder a essas e outras perguntas a respeito da história do Cânon bíblico. 



A história do Cânon bíblico foi vista a partir da sua definição da formação, tanto da avaliação da lista considerada canônica como daquela considerada apócrifa. O mesmo vale para a relação de canonicidade e os primeiros Concílios da Igreja. Vimos também como o Cânon bíblico foi se popularizando através das traduções e finalmente como ele chegou na língua portuguesa.

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REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, M. Introdução bíblica. Nazareno Paulista, Recife, 2006. Disponível em: . Acesso em: 23 maio 2019. 


CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja Cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. 

COIMBRA, H. O cânone bíblico: introdução à História da sua formação. Disponível em: . Acesso em: 23 maio 2019. 

DREHER, M. N. Bíblia: suas leituras e interpretações na história do cristianismo. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2013. 

FERNANDES, L. A. Bíblia como Palavra de Deus. Theologia Latinoamericana, 2015. Disponível em: < http://theologicalatinoamericana.com/?p=169>. Acesso em: 23 maio 2019. 

GEISLER, N.; NIX, W. Introdução bíblica: como a Bíblia chegou até nós. 1. ed., 8. impressão. Tradução de Oswaldo Ramos. São Paulo: Vida, 2016. 

MILLER, S. M.; HUBER, R. V. A Bíblia e sua história: o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.


Extraído da aula do Prof. Raimundo Nonato Vieira
INTRODUÇÃO ÀS SAGRADAS ESCRITURAS - Faculdades Uninter







"sabendo que fui posto para a defesa do Evangelho".
Filipenses 1:17


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